Artigos › 14/06/2017

A Eucaristia como partilha e solidariedade

A Solenidade de Corpus Christi ajuda-nos a refletir sobre uma das dimensões da Eucaristia, que é a da partilha. A partir desta dimensão, podemos inferir a dimensão social deste Santíssimo Sacramento, por vezes esquecida na espiritualidade cristã.

Na Carta Apostólica Mane Nobiscum Domine, São João Paulo II afirma que gostaria de chamar a atenção dos fiéis para esta dimensão, porque sobre ela “recai em grande medida a autenticidade da participação na Eucaristia celebrada em comunidade” (n. 28).

Note-se que o Pontífice não destaca aqui a exatidão do cumprimento das rubricas litúrgicas, a confissão sacramental ou o jejum eucarístico, mas “o impulso que ela traz em si por um empenho eficaz na edificação de uma sociedade mais equânime e fraterna” (idem). Infelizmente ainda persistem em muitos cristãos uma compreensão intimista e individualista deste Santíssimo Sacramento.

Combater as causas geradoras da fome

No que tange à fome, não bastam somente soluções assistenciais emergenciais que têm sido praticadas com generosidade pela Igreja ao longo dos séculos. Sem deixar de preocupar-se com as necessidades mais imediatas e com as situações de emergência, é necessário ter um horizonte maior, que se preocupe com a transformação das estruturas geradoras da miséria e da fome.

Existe alimento para todos, afirmam os Bispos do Brasil. Portanto, a fome não é resultado do aumento da população ou de outras causas naturais, mas fruto de um sistema iníquo, que não distribui a renda, agravado com o desperdício (CNBB. Exigências éticas de superação da miséria e da fome. Documento 69, n. 2).

João Paulo II já afirmara anteriormente na Sollicitudo rei socialis que a miséria não é fruto da fatalidade, mas de mecanismos perversos (n. 9) que se encarnam em verdadeiras estruturas de pecado (n. 16). É necessário criar uma cultura da solidariedade, que desmascare e desmonte estas estruturas perversas.

O Papa Francisco não se cansa de dizer que não podemos dormir sossegados enquanto houver pessoas com fome no mundo. Não podemos tolerar que se jogue comida no lixo, enquanto há tantos famintos. O desafio “dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc 6,37) implica um compromisso, tanto para transformar uma economia geradora de morte, quanto para realizar pequenos gestos de solidariedade com os mais sofredores (Evangelii Gaudium 53;188).

A participação no banquete da Eucaristia tem sido para os cristãos um impulso para a transformação da sociedade? Empenhar-se para diminuir a fome no mundo e em volta de nós poderia ser uma boa maneira de se viver a Eucaristia.

Dai-lhes vós mesmos de comer (Mc 6,37)

A prática de Jesus se mostra no relato da multiplicação dos pães, que é narrada nos evangelhos sinóticos e em João, com pequenas diferenças (Mc 6,30-44; Mt 14,13-21; Lc 9,10-17; Jo 6, 1-13).

Em todas as narrativas Jesus se compadece com a fome do povo e provoca os discípulos. A resposta desses é evasiva, dizendo que a multidão deve ser dispersada para buscar alimento por si mesma. O desafio de Jesus, que atravessa os séculos e chega até nós é: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc 6,37).

A saciedade do povo somente ocorreu porque Jesus deslocou o coração dos discípulos da lógica econômica que passa pelo dinheiro, para o eixo da partilha e da solidariedade que passa pela compaixão. Primeiro veio a partilha, para que depois aparecessem os doze cestos cheios.

Por Padre Antonio Aparecido Alves, via Canção Nova

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