Notícias › 24/03/2017

Encontro no Vaticano: perspectiva histórica da Reforma e Lutero

O Papa Francisco quer “reabilitar” a figura de Lutero? “Não sei. Sei porém que Lutero foi percebido nos séculos do passado como a encarnação do diabo, aquele que rompeu a comunhão e assim por diante. Hoje não se trata de dizer que aquilo que fez Lutero tenha sido uma coisa boa, porém, podemos explicar os acontecimentos que levaram à Reforma e os desdobramentos que se seguiram”.

Assim o Presidente do Pontifício Comitê das Ciências Históricas, Padre Bernard Ardura, ao apresentar o Simpósio Internacional de Estudos “Lutero 500 anos depois. Uma releitura da Reforma luterana em seu contexto histórico eclesial”,  a ter lugar no Instituto de Maria SS.ma Bambina, em Roma, de 29 a 31 de março próximo.

Para ele, as polêmicas e “interpretações pessoais” vieram mais tarde, mas o que interessa é “a busca da verdade” de um contexto histórico, econômico e político, que motivou uma reforma inicialmente marcada por “boas intenções”, mas que acabou provocando uma “ruptura” que durou cinco séculos e ainda hoje apresenta-se como “uma ferida aberta”.

Releitura histórica e eclesial

Trata-se de “uma releitura histórica e eclesial dos acontecimentos que levaram à reforma dentro da Igreja. Isto é, ver qual é o contexto histórico e eclesial em que viveu Lutero, pois sem este conhecimento não se pode entender o que aconteceu sucessivamente em todo o continente europeu”, explica o Presidente do Pontifício Comitê, no encontro realizado na Sala de Imprensa da Santa Sé.

Um evento, portanto, que pretende “abrir perspectivas” e esclarecer alguns aspectos que até agora permanecem obscuros. Como por exemplo, o fato de que Lutero “não chega em uma Igreja a ser completamente transformada, mas em uma Igreja que já desde o final do século XV conhece elementos de reforma, não somente do ponto de vista teológico: havia, para exemplificar, reformas dentro das Ordens religiosas, na Inglaterra, na Boêmia, na Itália, na Espanha”, onde estava em curso a obra do Cardeal Francisco Jimenez de Cisneros, que de qualquer forma, acabou antecipando a contra-Reforma.

A crise do homem Lutero

O encontro em Roma será também a ocasião para indagar sobre “implicações psicológicas” do “drama” vivido pelo homem Lutero: um homem “pecador”. Portanto, aquela “crise pessoal, interior” que levou o monge alemão a romper com a vida religiosa e com aquela Igreja na qual havia se consagrado.

“Lutero também casou-se com uma religiosa. Tudo isto não pode acontecer, senão após uma crise profunda”, evidencia Ardura. “São elementos que devemos levar em consideração, porque deram início à reforma que encontrou o seu ponto de difusão entre os principados europeus” e também porque sua história pessoal “tornou-se, de uma forma ou outra, um modelo que forjou a cultura protestante que se vê, por exemplo, hoje nos Estados Unidos, onde os próprios católicos são um pouco contaminados por este modo de conceber a vida cristã, o pecado nas áreas da vida, da sexualidade…”.

Romper não era o objetivo

As intenções iniciais do teólogo, porém, não eram estas. A reforma era principalmente “interna”. “Lutero não queria a cisão”, assegura Padre Ardura. “No início ele queria fazer uma reforma dentro da Igreja, algo que sempre ocorreu no decorrer dos séculos. Ele cumpre um caminho espiritual. O ponto de partida, neste sentido, é bom. Depois, porém, houve pressões de todas as partes, elementos intervieram de fora – historiadores, políticos e empresários – que influenciaram a “involução” da própria reforma, desembocando posteriormente em uma ruptura”.

Ferida ainda aberta, mas mudou o olhar

A “ferida ainda está aberta”, afirma Padre Ardura, mas “o olhar não é mais o mesmo”. “Temos um olhar de caridade, uma olhar recíproco, que vê no outro alguém que tem boa vontade e que procura responder à sua profissão de fé”.

 Chegou-se a este resultado certamente graças ao impulso ecumênico do pontificado de Bergoglio, mas o caminho iniciou bem antes: “Os resultados que vemos hoje são o fruto de um processo iniciado já com João XXIII, primeiro Papa da história recente a querer dar estes passos. Recordemos o seu encontro com o Primaz anglicano. Não se fala ainda de unidade ou comunhão, mas se inicia a ver o outro como um irmão. E este é o ponto de partida, um bom ponto de partida”.

Dar passos e aprofundar releituras

O Presidente do Pontifício Comitê das Ciências Históricas também recorda os passos dados com as Igrejas “irmãs” Ortodoxas, enquanto nas costas dos católicos e protestantes “existem cinco séculos de separações, durante os quais as duas Igrejas se desenvolveram seguindo dois caminhos diferentes. Isto deve ser levado em consideração. Quinhentos anos de afastamento não podem ser resolvidos em poucos anos”. Porém podem ser dados passos e serem aprofundadas “as releituras que permitem redescobrir que houve mal-entendidos”.

Ecumenismo cotidiano

Essencial, em tal contexto, é “o diálogo entre teólogos”, que porém é diferente “do ecumenismo da vida cotidiana: aquele vivido por tantas comunidades. Temos por exemplo, em Moscou, um centro cultural criado pela Igreja Católica no qual os trabalhadores são quase todos ortodoxos; um local de encontro em que não se fala de teologia, mas se pratica ecumenismo no respeito de um pelo outro. Mesmo nós, não fazemos ecumenismo, porém com os historiadores, os teólogos que pertencem a diversas Igrejas, podemos fazer um pouco do caminhos juntos. Fazer uma história absolutamente neutra me parece difícil, mas é necessário fazer uma história honesta, alicerçada em documentos. E isto é importante”.

 E ajuda também a prudência em manter sob controle as “interpretações pessoais”, um outro modo para definir as críticas. Como aquelas dirigidas ao Pontífice pela sua viagem a Lund, Suécia, em novembro de 2016, ou aquelas contra o Patriarca de Moscou Alexis II, que durante uma viagem à França havia celebrado as Vésperas ecumênicas na Catedral de Notre Dame e recitado o Pai Nosso com os anglicanos. “Alguns bispos russos haviam pedido a deposição do Patriarca porque para eles era uma heresia”, conta Padre Ardura. “Não devemos nos deixar levar pelas interpretações. Certamente devemos ser prudentes nas nossas palavras e permanecer sempre fieis à própria fé. Abrir-se é um risco, mas acredito que valha a pena sermos corajosos”.

Por Rádio Vaticano

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