Artigos › 21/09/2018

O caminho do serviço

A vida cristã se desenvolve dentro da realidade do mundo e do tempo em que vivemos, com todos os desafios que lhe são próprios. Nos próximos dias, a população brasileira, e nós juntamente com todos, estaremos exercendo o direito e o dever do voto. Não quer dizer que todos os problemas serão resolvidos com uma eleição, mas podemos progredir quanto à participação, à responsabilidade e os possíveis resultados. Esperamos encontrar nosso país e nossos estados mais amadurecidos ao final do processo eleitoral em curso.

Os discípulos de Jesus têm grande responsabilidade, por terem recebido as informações e a formação necessárias, ao beberem na fonte inesgotável da Palavra de Deus e da Doutrina Social da Igreja, com os valores que podem orientar suas escolhas. Se abrimos os Evangelhos, veremos como a primeira geração de cristãos, com homens e mulheres vindos de extratos muito simples da sociedade, passou pela escola do próprio Senhor Jesus Cristo.

Uma das grandes lições oferecidas pelo Senhor, com suas palavras e gestos, que culminaram com a entrega total de sua vida, é aquela do espírito de serviço. O Evangelho nos descreve o quanto os discípulos tiveram que aprender. A mãe dos filhos de Zebedeu (Cf. Mt 20,20-21) veio ao encontro de Jesus, acompanhada dos dois filhos, pedindo um posto de importância, de modo muito semelhante às muitas solicitações de cargos e empregos, como vemos nos dias de campanha eleitoral. E o texto proclamado na Igreja neste final de semana (Mc 9,30-37) relata a discussão entre os discípulos para verem quem era o maior. A repreensão feita pelo Senhor oferece ensinamentos que percorrem os séculos.

Se todos os pais e mães de família têm o direito e o dever e buscar o melhor para os filhos, é necessário purificar os critérios e as práticas com que agem em busca de tais objetivos. Não é difícil perceber o quanto passam de geração em geração, por toda parte em nosso país, as formas tantas vezes espúrias para manter o poder e a riqueza nas mãos de poucas pessoas. E infelizmente estas se tornam detentoras de controle sobre pessoas e consciências.

O que pode purificar tais práticas é o conhecimento e a prática dos princípios do ensinamento social da Igreja. Um deles, cuja raridade assusta quando se vê a prática administrativa corrente, é sentido do bem comum. Este deve se sobrepor aos interesses individuais ou grupais e mesmo familiares, quando alguém pretende um cargo público. E serve também como critério para avaliar as possíveis pretensões de quem se candidata a algum cargo público. É bom observar que quem pensa no bem comum amplia seus horizontes e consegue enxergar longe, lá “no fim da linha”, onde se encontram os mais pobres, frágeis e marginalizados. Um olhar de tal qualidade conseguirá até envolver, em sua prática de presença na sociedade, as pessoas que estiverem no meio do caminho, que poderão, inclusive, deixar-se contagiar por novas práticas!

O Evangelho amplia o horizonte, com a provocante proposta de buscar o último lugar! Aquele que é o Filho de Deus veio para servir e não parassem servido, tomou a iniciativa de ir ao encontro dos últimos da sociedade, lavou os pés de seus discípulos e recomendou que todos fizessem o mesmo, o que vale também para a nossa geração. Vale a pena olhar ao nosso redor para descobrir homens e mulheres de todas as idades que primam pela boa vontade e pelo espírito de serviço, e o fazem com absoluta discrição. Conheço pessoas capazes de distribuir recursos que promovem o próximo, sem criar dependências, de modo que só no Céu poderemos saber quanta gente faz o bem espiritual e materialmente de forma simples e generosa. Um diretor de escola formou inúmeros jovens através de bolsas de estudo, sendo que seus próprios filhos só o souberam após a morte desse campeão de generosidade e silêncio!

O último lugar como ideal! Que poderosa revolução pacífica se revela aqui. Buscar aquilo que nos custa, o que é mais exigente! Imaginemos administradores que comecem a priorizar as periferias de suas cidades, que ofereçam primeiro serviços aos mais pobres, invertendo as tendências existentes. Temos o direito de sonhar, mas temos o dever de escolher melhor nas eleições, descobrindo pessoas que, mesmo sem serem perfeitas, se aproximam dos ideais do Evangelho. Como a Igreja têm insistido, é bom verificar de as pessoas que a nós se apresentam têm pelo menos um pouco das práticas propostas pelo ensino social da Igreja.

Jesus não se contentou com o ensinamento, mas acolheu, a modo de exemplo, uma criança: “Em seguida, pegou uma criança, colocou-a no meio deles, e abraçando-a, disse: ‘Quem acolher em meu nome uma destas crianças, é a mim que estará acolhendo. E quem me acolhe, está acolhendo, não a mim, mas àquele que me enviou’” (Mc 9,36-37). Uma sociedade que se preze há de evoluir no trato das crianças, sem o qual o futuro fica decididamente comprometido. A Igreja Católica recebeu uma missão privilegiada quando surgiu e se consolidou a Pastoral da Criança. As práticas de líderes da Pastoral já contagiaram positivamente outros setores da sociedade. Dela nasceram tantas propostas de cuidados com as crianças, assim como se ampliou o arco de lições sobre alimentação, higiene, cuidados básicos de saúde. E a partir da Pastoral da Criança, veio à tona justamente o outro extremo, a Pastoral da Pessoa Idosa, também recheada de propostas cujos frutos se multiplicam!

Como sabemos que a caridade não vai passar, temos a certeza de que, a partir do Evangelho e da Doutrina Social da Igreja, cuja fonte é justamente o Evangelho, a sabedoria, dom do Espírito Santo, ilumina a prática dos cristãos, inclusive aqueles que se sentem chamados ao exercício do serviço político.

Nos próximos dias, redobremos nossas práticas de oração pela nossa pátria. Rezemos para que todos os eleitores se sintam responsáveis no exercício de seu dever do voto, inclusive escapando das tentações da omissão, do voto irresponsável ou do chamado voto útil, que não tem nada de consciente, ao buscar apenas a satisfação da vitória. Consciência e responsabilidade, iluminados todos pela força do Espírito Santo.

Rezemos: Ó Deus, que de modo admirável dispondes todas as coisas, recebei benigno as preces que vos apresentamos pela nossa pátria, para que, pela sabedoria dos governantes e pela honestidade dos cidadãos, firmem-se a concórdia e a justiça, bem como se alcance na paz a perpétua prosperidade. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que convosco vive e reina na unidade do Espírito Santo, Deus, por todos os séculos dos séculos. Amém.

Por Dom Alberto Taveira Corrêa – Arcebispo de Belém do Pará (Via CNBB)

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