Artigos › 22/04/2020

Confinamento: acima de tudo, pare de reclamar!

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Parece que todos nós temos conosco um pouco de Calimero. Você sabe, aquele personagem de desenho animado que é caracterizado por um pintinho que tem uma casca de ovo como se fosse um chapéu que estava constantemente reclamando sobre o quão ruim que era a sua vida.

As crianças queixam-se dos pais, os pais queixam-se dos colegas de trabalho, os colegas queixam-se do seu chefe… E quando não temos motivos para lamentar nossa própria sorte, protestamos como o mundo está indo.

O psicanalista Saverio Tomasella analisou as causas e sintomas desta doença generalizada. E ele a personifica na figura do personagem de desenho animado (o coitadinho do pintinho), recém-nascido de seu ovo, que acha que a vida é “uma injustiça”.

Para descobrir de antemão como reagir a essas personalidades tão irritantes ou abandonar nós mesmos este hábito, o especialista oferece alguns conselhos de sua própria experiência profissional.

De onde vêm os “Calimeros”?

O personagem no qual está sempre reclamando não tem uma boa reputação, e por boas razões. O “Calimero” é quem expressa “uma queixa insistente, quase incessante” e tem o comportamento como “uma pessoa egocêntrica, que exige atenção contínua de seu ambiente”, disse Saverio Tomasella.

O especialista explica que sua reclamação é muitas vezes ridícula, seus arrependimentos infantis e que suas alegações de vitimização revelam uma intolerância imatura de frustração. No seu consultório, ele vê pacientes desfilando afetados por este sintoma característico de nosso tempo.

“Reclamar de qualquer coisa, geralmente por besteiras, produz um poderoso efeito dominó que quase serviria de justificativa aos comportamentos infantis que caracterizam este hábito”, diz ele. Quanto mais os pacientes se queixam, menos conseguem se tornar sujeitos adultos e responsáveis, capazes de agir pela sua felicidade.

O diagnóstico é cruel e deveria nos convidar a interromper nossas reclamações, mas, contra todas as expectativas, Saverio Tomasella limpa o nome de Calimero. Em vez de nos culparmos por essa tendência de sentir pena do nosso destino, ele sugere que admitamos que a denúncia não é apenas legítima, mas também benéfica.

De acordo com o psicanalista, todos os lamentos (inclusive os ridículos) merecem ser ouvidos, mesmo que apenas por causa da ferida íntima que indiretamente expressam. Solidão, abandono, maus-tratos, sentimento de injustiça: todos os “Calimeros” teriam experimentado situações de grande angústia na sua infância. Muitas vezes, é essa criança ferida, sem amor que reaparece nas queixas inconsoláveis.

“O sentimento de injustiça é a manifestação interior dessa primeira experiência de absoluta impotência. Da mesma maneira que para Calimero, esse sentimento surge quando enfrentamos uma deficiência tutelar: não há ninguém para nos ajudar, nos proteger, nos auxiliar … ”, ressalta Saverio Tomasella. Contra um “Calimero”, é contraproducente pregar o estoicismo. Isso não faz nada além de reprimir um sofrimento que, longe de se acalmar, envenena a pessoa.

A tirania do bom humor leva ao egoísmo

A denúncia contra a queixa pode se tornar, de acordo com o psicanalista, uma capa sobreposta ao egoísmo. A tirania do bom humor, o mandato de “positivar” e “viver o momento presente”, a intolerância à queixa do outro e às “pessoas negativas” que algumas revistas femininas nos convidam a evitar, escondem um egoísmo ainda mais feroz como que se veste da virtude do estoicismo.

Esses discursos autorizam o fechamento do coração diante daqueles que afirmam que sofrem. Eles ajudam a manter um coração seco e mesmo assim cheio de boa consciência. E longe de impedir a denúncia, eles a desenvolvem de outras maneiras.

“A proibição de lamentos gera e preserva a crítica, a censura e o desprezo, da mesma maneira que a caçoada”, diz o especialista com os pacientes que não param de reclamar dos outros. Entre complacência e repressão, sair da postura de lamentação não é uma coisa fácil.

As virtudes espirituais das reclamações

Que atitude adotar diante da “catástrofe”? O que pode ser feito para que a lucidez não leve a queixas estéreis, vitimização ou uma retirada excessivamente nostálgica de si mesmo? “O primeiro passo é encarar o infortúnio”, sugere o dominicano Adrien Candiard. “Ir até o fundo das palavras de Jesus Cristo: ‘Meu Deus, por que você me abandonou?’”

No entanto, longe de convidar uma postura melancólica que se alimenta de nostalgia, ela nos encoraja a “limpar nossas ilusões” e reler a história do profeta Jeremias. A partir desta história, o irmão Candiard tira uma lição importante: é indubitavelmente legítimo expressar sofrimento diante de uma catástrofe, assim como é legítimo proclamar seu sofrimento diante da visão de Jerusalém destruída e deixada à desolação.

Contudo, diante da catástrofe, “devemos depositar nossa esperança somente em Deus”, por isso temos que abandonar nossas pequenas idéias sobre o que pode nos confortar, mesmo que seja a reconstrução de Jerusalém.

Não se esqueça de olhar para o futuro

Do seu ponto de vista, a irmã Solange Navarro ressalta que a Bíblia oferece vários exemplos dessa queixa mortal porque se concentra exclusivamente no passado. Os hebreus, no deserto, anseiam o Egito do qual Deus os libertou.

“Eles têm uma lembrança distorcida do passado que idealizam, enquanto o caminho do êxodo é o caminho da libertação”, diz a irmã Navarro. O resultado é que eles dão voltas em forma de círculo no deserto durante quarenta anos e que aqueles que reclamavam não entrariam na Terra Prometida. Uma metáfora chocante sobre a ruminação estéril!

A observação clínica confirma sua análise: Saverio Tomesalla também destaca que a queixa improdutiva é “uma fixação fora do tempo”, uma “lamentação em torno de um mausoléu”, uma “negação do tempo que passa”. Sair da queixa que dá voltas em forma de círculo significa aceitar olhar para o futuro.

O personagem bíblico que melhor expressa a queixa é Jó. Depois de ter brutalmente perdido seus bens e seus filhos, ele primeiro permanece impassível e recita uma fórmula de piedade automática.

Depois, ele reclama virulentamente à Deus sobre seu destino. Seus amigos, escandalizados, não podem suportar suas recriminações à beira da blasfêmia, explica a irmã Navarro. Indignados, eles o abandonam.

No entanto, Jó é o único personagem da Bíblia sobre quem Deus diz: “Ele falou bem de mim”. Mas, para isso, foi necessário que o infortúnio o penetrasse e depois desabasse.

Jó nos ensina que, para esperar encerrar a reclamação, a única solução é ir até o fim, sem compromisso, sem falso conforto, sem discurso tranquilizador e enganador. “A reclamação será esgotada apenas com a reclamação.

Por mais curioso que possa parecer, acontece que o veneno é o antídoto”, declara a teóloga protestante Marion Muller-Colard. Aceitar olhar para o infortúnio na face, em toda a sua extensão, supõe aceitar, como Jó, que Deus não é o Deus protetor que ele imaginou, que recompensa as pessoas que fazem o bem e pune as pessoas que fazem o mal.

Às vezes é preciso uma palavra de autoridade para parar de se arrepender

Então, devemos nos resignar ao infortúnio? Devemos considerar a vida como um “vale das lágrimas” e esperar pelos melhores dias no paraíso?

Isso seria esquecer que Jó conhece consolo durante sua vida e que Jeremias, conhecido pelas suas “jeremiadas” e suas queixas contra um Deus que o envia para prever catástrofes para um povo que o recebe muito mal, é fundamental para a esperança.

Jeremias, na verdade, anuncia a Nova Aliança e, na pior das catástrofes, compra um campo para simbolizar sua esperança nos melhores dias. Deus promete à ele: “Eu estarei com você”.

Jó é consolado porque ele é capaz de estabelecer um diálogo com Deus. Ele não fica sozinho em sua dor. Sua reclamação não é uma ruminação solitária, mas é dirigida principalmente a alguém.

Aceitar as reclamações, para Jó, é ser ousado para falar com Deus livremente, sem fórmulas divinas. É também como, num determinado momento, ele termina suas recriminações.

No livro de Jó, Deus responde ao seu servo colocando a perfeição e a beleza da Criação diante de seus olhos: “Onde você estava quando eu fundei a terra?” (Jb 38,4). Este lembrete interrompe suas reclamações.

“Às vezes é preciso uma palavra de autoridade para nos livrar da queixa. Como uma criança que desiste após o “Chega!” do seu pai e que depois se lembra de que ele não está sozinho e fica tranquilo ao saber que o mundo não gira em torno dele”, diz Marion Muller-Colard.

O irmão Adrien Candiard nos convida a essa mesma posição quando propõe rejeitar falsas esperanças e sair da lamentação estéril para tentar tornar nossos infortúnios “uma oportunidade para amar hoje”. Um convite para viver a partir de agora na eternidade!

Por Pauline Quillon, via Aleteia

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