Artigos › 26/01/2018

Mudanças mais radicais

A atual crise econômica brasileira, manifestada sobretudo pelo altíssimo índice de desemprego, sugere análises. Essa crise decorre somente da política econômica atual? Certamente não, pois o sistema econômico, não afrontado até mesmo por governos mais populares, gera excluídos. Os detentores do capital aperfeiçoam seus mecanismos de exploração, maximizando os investimentos tecnológicos e a financeirização da economia. Aos pobres restam “migalhas”.

Qual lógica está por detrás desse sistema? Como nossa prática socioeconômica revela nossas “crenças”, proponho uma reflexão sobre essa questão sob o prisma teológico-pastoral. Qual conceito de Deus nossa sociedade cultiva, hoje? Aquele que é gerador de comunhão entre os humanos ou propulsor da concorrência e do sucesso individual, finalmente, um ídolo? Qual crença nos propomos ter?

“Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24). O “dinheiro”, mencionado por Cristo, simboliza o capital que, ao longo da história, tem sido acumulado, tendo, hoje, um grau elevado de virtualidade. O mercado financeiro é feito por dinheiro que gera dinheiro, sem lastro real. O capital, nessa forma, dá impressão de ser um “deus que gera a si mesmo”. Esse extremo resulta de uma economia sob a lógica da mercantilização total, fundada na exploração desenfreada dos recursos naturais e da mão-de-obra, cujo lucro é canalizado para a geração de mais lucro.

Essa “economia sem coração” não está em função da coletividade humana. Ela se funda na liberdade e na concorrência de mercado que sacrifica vidas humanas. Essa lógica sacrificial foi explicitamente questionada por Jesus: “Ide, pois, e aprendei o que significa: ‘eu quero misericórdia e não sacrifício’” (Mt 9,13). Hoje, a classe trabalhadora tem sido imolada, ou seja, sacrificada no altar do “trabalho explorado” ou do “não trabalho”, em oferenda ao “deus capital”.

A impossibilidade do trabalho, o trabalho precário e o trabalho com função antissocial resultam de uma lógica econômica idolátrica, cruelmente mortal. A fé no Deus verdadeiro, de inspiração judaico-cristã, sinaliza uma lógica totalmente oposta. Deus, segundo essa tradição é fonte de vida. Ele é, portanto, libertador de sistemas que causam a morte, a exemplo da libertação dos hebreus no Egito, relatada no livro do Êxodo.

 A identidade libertadora de Deus se manifestou, também, na conquista da “terra prometida”, na atuação dos profetas e na missão de Cristo, o Verbo encarnado (cf. Lc 4,16-21). Este assumiu a “condição de escravo”, isto é, de trabalhador do seu tempo (cf. Fl 2,5-11), adentrando a realidade de morte gerada sobretudo pelo trabalho opressor, para resgatar os oprimidos e dar-lhes vida. O próprio Jesus o diz: “O ladrão vem só para roubar, matar e destruir. Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

Jesus foi um trabalhador manual, identificado com trabalhadores comuns. Seu “trabalho” evoluiu para a “obra” que o Pai lhe confiou e assumiu-a até o fim (cf. Jo 17,4). Sua doação total para a salvação da humanidade, tornou-se missão dos que nele creem. A sociedade brasileira se inspira, hoje, no Deus revelado em Cristo ou na falsa crença de um desenvolvimentismo que concede à maior parte da população somente as “sobras dessa festa macabra”? Se nos orientamos por uma fé falsa, certamente nossa crise é maior do que parece, necessitando mudanças mais radicais.

Por Dom Reginaldo Andrietta – Bispo de Jales

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