Artigos › 03/09/2019

Nos caminhos do Papa Francisco: a evangelização

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Ide, fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado (Mt 28,19-20). Neste ide de Jesus, dado aos seus discípulos e que se perpetua na Igreja ao longo dos séculos, estão presentes os cenários e os desafios sempre novos da missão evangelizadora.

O Papa Francisco, na exortação apostólica Evangelii Gaudium, apresenta-nos etapas ou passos que, neste ide – portanto, na missão evangelizadora -, precisam ser observados, pois hoje, mais do que nunca, é preciso “avançar no caminho de uma conversão pastoral e missionária que não pode deixar as coisas como estão” (cf. EG 25).

Por isso, o Papa sugere uma reforma, que ele diz ser inadiável – e, por isso, tem sido rejeitado por alguns, porque a mudança sempre gera insegurança! O fato é que essa renovação deve atingir todos os âmbitos eclesiais, já que a evangelização é tarefa de todos os batizados (cf. EG 121), desde o primeiro ao último, nos quais atua a força santificadora do Espírito que impele a evangelizar (cf. EG 119).

“Cada cristão é missionário na medida em que se encontrou com o amor de Deus em Cristo Jesus; não digamos mais que somos “discípulos” e “missionários”, mas sempre que somos “discípulos missionários” (EG 120). Ademais, escreve o Papa: “O teu coração sabe que a vida não é a mesma coisa sem Ele; pois bem, aquilo que descobriste, o que te ajuda a viver e te dá esperança, isso é o que deves comunicar aos outros” (EG 121).

Tendo em vista, portanto, essa atividade missionária, o Papa aponta alguns caminhos e estratégias para que se alcance algum êxito, dentre os quais destaco:

  • Partir do Coração do Evangelho e respeitar a hierarquia de verdades: todas as verdades reveladas procedem da mesma fonte divina e são acreditadas com a mesma fé, mas algumas delas são mais importantes por exprimir mais diretamente o coração do Evangelho. Neste núcleo, se sobressai a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado. Isso equivale a dizer que, deste núcleo, devem emergir as demais verdades, sem desmerecê-las em nada, mas dando-lhes uma proporção adequada. O Papa, inclusive, dá exemplos: “[…] se um pároco, durante o ano litúrgico, fala dez vezes sobre a temperança e apenas duas ou três vezes sobre a caridade ou sobre a justiça, gera-se uma desproporção […]. E o mesmo acontece quando se fala mais da lei que da graça, mais da Igreja que de Jesus Cristo, mais do Papa que da Palavra de Deus” (EG 38). O anúncio deve concentrar-se no “essencial, no que é mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário. A proposta’ – escreve o Papa – ‘acaba simplificada, sem com isso perder profundidade e verdade, e assim se torna mais convincente e radiosa” (EG 35).
  • Respeitar a potencialidade imprevisível da Palavra: o evangelizador nunca deve se esquecer da liberdade incontrolável da Palavra, que é eficaz a seu modo e sob formas tão variadas que, muitas vezes, escapam-nos, superando as nossas previsões e quebrando os nossos esquemas (cf. EG 22).
  • “Primeirear”, envolver-se, acompanhar, frutificar e festejar: a comunidade missionária toma a iniciativa; experimenta que o Senhor precedeu-a no amor e, por isso, sabe ir à frente, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos. Ao mesmo tempo, envolve-se na vida diária dos outros, encurta as distâncias e se abaixa, acompanhando a humanidade em todos os seus processos, por mais duros e demorados que sejam. A evangelização patenteia muita paciência! Sabe, também, frutificar, ou seja, manter-se atenta aos frutos, porque o Senhor a quer fecunda. E, por fim, a comunidade sabe festejar cada pequena vitória, cada passo à frente da evangelização (cf. EG 24).
  • Ter ousadia e criatividade: a pastoral em chave missionária exige o abandono do cômodo critério pastoral ‘fez-se sempre assim’. É preciso, sim, repensar objetivos, estruturas, estilo e métodos evangelizadores (EG 33). Por isso, diz o Papa, “sonho uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à autopreservação” (EG 27). Nesse sentido, o Papa pede ousadia até mesmo para que se reconheça costumes que, apesar de radicados na vida do povo fiel, hoje já não são interpretados da mesma maneira, a ponto de a mensagem não ser percebida de modo adequado. “Não tenhamos medo de revê-los”, exorta! (cf. EG 41).
  • Sair: É preciso sair para levar a vida de Jesus Cristo; fazer com que todos tenham comunhão com Ele e, assim, cheguem ao Pai! “[…] Cada ser humano precisa sempre mais de Cristo, e a evangelização não deveria deixar que alguém se contente com pouco, mas possa dizer com plena verdade: Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim (cf. Gl 2,20). Sair, porém, não significa correr pelo mundo numa direção sem sentido. Muitas vezes, é preferível diminuir o ritmo, deixar a ansiedade para olhar nos olhos e ouvir” (cf. EG 46).
  • Confiar: “Precisamos de uma certeza interior” – escreve o Papa – “ou seja, da convicção de que Deus pode atuar em qualquer circunstância, mesmo no meio de aparentes fracassos, porque ‘trazemos esse tesouro em vasos de barro’ (2Cor 4,7). Esta certeza é o que se chama sentido de mistério, que consiste em saber, com certeza, que a pessoa que se oferece e entrega a Deus por amor, seguramente será fecunda” (cf. Jo 15,5) (EG 279).

Também no último capítulo da Evangelii Gaudium, que o Papa chama de Evangelizadores com Espírito, Francisco destaca duas características essenciais daquele que se dispõe a evangelizar:

 

  • O evangelizador deve ter comunhão com Jesus Cristo: a primeira motivação para evangelizar é o amor que recebemos de Jesus; aquela experiência de sermos salvos por Ele que nos impele a amá-Lo cada vez mais (cf. EG 264). Trata-se de uma experiência pessoal e profunda com Ele! De fato, a melhor motivação para se decidir a comunicar o Evangelho é contemplá-lo com amor, é deter-se nas suas páginas e lê-lo com o coração (cf. EG 264). “O verdadeiro missionário’ – escreve Francisco – ‘que não deixa jamais de ser discípulo, sabe que Jesus caminha com ele, fala com ele, respira com ele, trabalha com ele. Sente Jesus vivo com ele, no meio da tarefa missionária […]. Uma pessoa que não está convencida, entusiasmada, segura, enamorada, não convence ninguém” (EG 266).
  • O evangelizador deve desenvolver o prazer espiritual de estar próximo da vida das pessoas: o amor às pessoas, para o Papa, é uma força espiritual que favorece o encontro em plenitude com Deus. Logo, fechar-se aos outros é, para ele, um lento suicídio (EG 272). É preciso sempre repetir: Eu sou uma missão nesta terra, e para isto estou neste mundo (EG 273). Como, no entanto, conviver uns com os outros, especialmente com as diferenças? Existe uma didática própria? Ensina-nos o Papa: “Para partilhar a vida com a gente e dar-nos generosamente, precisamos reconhecer também que cada pessoa é digna de nossa dedicação. E não pelo seu aspecto físico, suas capacidades, sua linguagem, sua mentalidade ou pelas satisfações que nos pode dar, mas (I) porque é obra de Deus, criatura sua. (II) Ele criou-a à sua imagem, e reflete algo de sua glória. (III) Cada ser humano é objeto da ternura infinita do Senhor, e Ele mesmo habita na sua vida. (IV) Na cruz, Jesus deu o seu sangue precioso por essa pessoa. Independentemente da aparência, cada um é imensamente sagrado e merece o nosso afeto e a nossa dedicação. Por isso, se consigo ajudar uma só pessoa a viver melhor, isso já justifica o dom da minha vida”. (EG 274).

No fim de tudo, é importante sempre se lembrar que quem garante o êxito da evangelização é o Espírito! Por isso, concluo com as palavras do próprio Papa: “O Espírito Santo trabalha como quer, quando quer e onde quer; e nós gastamo-nos com grande dedicação, mas sem pretender ver resultados espetaculares. Sabemos apenas que o dom de nós mesmos é necessário. […] É como mergulhar num mar onde não sabemos o que vamos encontrar! Mas não há maior liberdade do que a de se deixar conduzir pelo Espírito, renunciando a calcular e controlar tudo e permitindo que Ele nos ilumine, guie, dirija e impulsione para onde Ele quiser” (EG 280). O Senhor encontre essa abertura no coração da Igreja!

Por Pe. Tiago Cosmo da S. Dias é do clero diocesano de São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo, atualmente vigário paroquial na Basílica de Nossa Senhora da Penha. É jornalista e bacharel em Filosofia e Teologia pela Faculdade de Filosofia e Teologia Paulo VI, em Mogi das Cruzes. É pós-graduado em Religião e Cultura, pelo Centro Universitário Assunção (UNIFAI), em São Paulo, e em Cultura e Comunicação, pela PUC-SP, em parceria com o SEPAC-Paulinas.

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