Palavra do Arcebispo: “A Misericórdia de Deus: substantivo concreto em fatos reais”

Palavra do Arcebispo Dom Maurício A Misericórdia do Deus de Abraão, Isaac, Jacó, Moisés e dos profetas é Jesus Cristo. A Misericórdia se fez carne, habitou entre nós e nos amou até a morte e morte de Cruz. Morreu, mas ressuscitou glorioso.
Assim, pois, para os cristãos a palavra misericórdia deixa de ser um substantivo abstrato e assume a condição de substantivo bem concreto: Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, é a personificação da misericórdia de Deus. A Misericórdia de Deus se encarna e participa de forma clara e decisiva da história humana.
O Deus vivo e verdadeiro, aquele que “vê”, “ouve” e “desce” (Ex. 3,7s), além de nos dar coisas necessárias e maravilhosas – a vida, seu próprio DNA, a terra, a água, o sol, as plantas, os animais… – se dá todo inteiro a nós, em corpo e alma, na encarnação, paixão, morte e ressurreição de seu Filho unigênito. A Misericórdia de Deus não ilude, não é paternalista ou assistencialista.
A Eucaristia é o sacramento vivo e verdadeiro da doação total, pura, simples e gratuita de si.
O modo de pensar e agir do Reino de Deus, que triunfa definitivamente em Cristo crucificado e ressuscitado, se manifesta primeiro numa confiança radical e absoluta em Deus – ele ama com as entranhas de pai e mãe todos os seus filhos – e segundo no amor ao próximo, independentemente da condição humana, social e moral; pois, são todos da mesma família, pelos quais vale a pena sofrer e morrer.
Na última ceia, antes de instituir a eucaristia, Páscoa da Nova e Eterna Aliança, Jesus pôs-se a lavar os pés dos apóstolos e explicou claramente: “Se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais assim como eu fiz para vós.” (Jo.13,14s). A condição, pois, para participar ativa e frutuosamente da eucaristia está em assumir, mesmo que pouco a pouco, a atitude de servo dos outros. Portanto, será preciso livrar-se das atitudes próprias do modo de pensar e agir do mundo que justifica a superioridade de ricos sobre pobres, de brancos sobre negros, de homens sobre mulheres, de estudados sobre analfabetos, de bons sobre maus… Ainda na última ceia, depois de instituir a eucaristia, Jesus declarou: “Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois os meus discípulos: se vos amardes uns aos outros”. (Jo. 13, 34s).
A diferença entre ato e atitude é bastante significativa. Ato é algo que se faz de forma isolada; algo que não faz parte da essência da pessoa. Atitude é uma opção fundamental de vida; algo que faz parte essencial da vida da pessoa. Vejamos um retrato da primeira comunidade: “A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava suas as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum. […] Entre eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro e o depositavam aos pés dos apóstolos. Depois, era distribuído conforme a necessidade de cada um”. (At. 4, 32-35). É impossível ser plenamente misericordioso sozinho e apenas com obras individuais de misericórdia. Porque a misericórdia plena só tem início com a inclusão dos miseráveis na comunidade – família de Deus. Portanto, aos miseráveis não basta o provimento de roupa, calçado, abrigo, remédio, comida… O miserável só deixa de ser miserável quando se torna irmão, irmã, membro da família, da comunidade.
Aproveitemos o “Ano Santo da Misericórdia” para fortalecer em nossas paróquias a vida em comunidade. A paróquia deve ser “comunidade de comunidades”. Não passemos este Ano Santo apenas com alguns atos (obras) de misericórdia. Que a misericórdia seja para nós uma atitude, uma opção fundamental de vida pessoal, familiar e eclesial.

Dom Maurício Grotto de Camargo
Arcebispo de Botucatu

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