Artigos › 03/01/2017

Por um Ano Novo

Os descompassos da vida cotidiana de cada cidadão fazem aflorar no coração o desejo, a prece e o sonho de um ano verdadeiramente novo. Uma novidade que não se refere ao início da inevitável contagem dos próximos 365 dias. São esperadas, principalmente, novas atitudes, amadurecimento da cidadania e a competência para reinventar projetos, programas e ações que tirem a sociedade brasileira de sua preocupante situação. Para isso, as instituições sociais, em todos os seus segmentos, devem se tornar capazes de oferecer novas respostas, o que inclui aproveitar, de modo mais inteligente e humanitário, as riquezas do Brasil e as potencialidades do povo brasileiro.

A primeira e mais determinante ação para se efetivar o desejo de um ano realmente novo é voltar-se para o próprio coração. Nele deve ocorrer a intervenção mais revolucionária, configurando-o como “coração da paz”. Se você, o outro, todos, mundo afora, se tornarem “coração da paz”, a humanidade terá um tecido cultural capaz de regrar funcionamentos, reger consciências e fazer despertar o mais fecundo sentido de cidadania. Tudo seria balizado pelo princípio incondicional do respeito à vida de cada pessoa, em uma luta cotidiana para combater o que ameaça esse dom inviolável. “Coração da paz” é quem se compromete, dentro das próprias responsabilidades e no dia a dia, a amparar as muitas vítimas de conflitos armados, dos terrorismos, das mortes silenciosas provocadas pela fome, pelo aborto e pelas discriminações.

O sábio princípio de que todos são irmãos precisa ser reconhecido e vivido. Pois o amor rege a relação entre irmãos, fazendo-os partilhar tudo o que proporciona o bem. Assim, esse princípio é determinante no ajuste moral que cada um dos integrantes da sociedade precisa. Desconsiderá-lo inviabiliza a tarefa de encontrar saídas para os muitos problemas. E as consequências são as prisões cada vez mais cheias, os entraves para o crescimento e o desenvolvimento, os conflitos entre os poderes, a expansão da pobreza e a continuidade dos privilégios que revoltam. Por tudo isso, no horizonte, há de se desenhar a silhueta da grande família humana. Não somente a família biológica, ou a que reúne pessoas conhecidas. A convocação é para que, diariamente, cada pessoa amplie as medidas do próprio coração para nele acolher princípios morais que motivam o respeito ao bem comum e o compromisso com os mais pobres.

Diante dessa necessidade de fazer com que cada pessoa torne-se coração da paz, é preciso dedicar atenção especial à família, enquanto comunhão íntima de vida e amor fundada sobre o matrimônio entre um homem e uma mulher. Trata-se do lugar primário da humanização. Por isso, urgente e indispensável é investir na constituição da vida familiar, sem fantasias, conscientes dos desafios culturais que existem, das mudanças que atropelam e confundem. A família é fonte da experiência da paz e do amor entre irmãos e irmãs, ambiente para a aprendizagem insubstituível da função da autoridade, manifestada pelos pais. É também lugar para se exercer a dedicação aos mais fracos e pobres, doentes e idosos, onde se cultiva o gosto pela ajuda mútua e se exercita a inigualável virtude de sempre perdoar. Há um léxico da paz que só a escola da família tem propriedade para ensinar, exercitar e selar, como a impressão de uma indelével marca.

Cuidar da família é fundamental para se proteger a verdade, tão ameaçada no mundo contemporâneo. E as consequências desse comprometimento se manifestam nos muitos descompassos sociais. Quando não se é transparente no que se faz, os impactos negativos incidem na rede de relações entre pessoas, no dia a dia, incluindo a prática de “mentirinhas” até os absurdos esquemas de corrupção. Deixar-se iluminar pelo esplendor da verdade é fundamental para que ela, com a sua força libertadora sem igual, construa o caminho novo, o novo ano que se quer.

A mentira, seja qual for, é a manifestação do fracasso. Ela não é alicerce capaz de sustentar os cidadãos e os projetos exitosos. Já a verdade, com sua força de transparência, gera a prosperidade, a alegria que não morre. Dela brota o novo que se sonha alcançar. Para que cada pessoa aproxime-se da verdade e, consequentemente, ajude a construir o novo almejado no ano que se inicia é oportuno acolher o convite e os votos do Papa Francisco, apresentados em sua mensagem para o Dia Mundial da Paz: “No início deste novo ano, formulo sinceros votos de paz aos povos e nações do mundo inteiro, aos chefes de Estado e de governo, bem como aos responsáveis pelas Comunidades Religiosas e pelas várias expressões da sociedade civil. Almejo paz a todo o homem, mulher, menino e menina, e rezo para que a imagem e semelhança de Deus em cada pessoa nos permitam reconhecer-nos mutuamente como dons sagrados com uma dignidade imensa. Sobretudo nas situações de conflito, respeitemos esta dignidade mais profunda e façamos da não-violência o nosso estilo de vida.” No compromisso de acolher o convite e os votos do Papa Francisco, cada pessoa reconheça que muitos são os caminhos, mas tudo depende de cada um para que se alcance o “novo” esperado neste ano de 2017.

Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo, Arcebispo Belo Horizonte (MG)

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